REFLEXÕES SUBVERSIVAS

REFLEXÕES SUBVERSIVAS



Estratégias não tão óbvias para redução de trabalho e Burnout

Maíra Blasi


"O carro parado no meio do trânsito. Um homem deitado sobre o volante. Apagado. Alguém passa, leva para o Pronto Socorro e salva uma vida."

Li esse relato no post de um amigo. Ele teve uma crise de burnout e nunca mais voltou ao mundo corporativo, inventou uma vida nova e muito mais feliz em todos os sentidos. Poderia ter morrido ali. Você conhece alguém que teve burnout? Ou está prestes a apagar de repente? Sabe o que é isso?

Vamos à definição:

"A Síndrome de Burnout, conhecida também como Síndrome do Esgotamento Profissional, é um distúrbio psíquico causado pela exaustão extrema, devido às condições desgastantes no ambiente laboral, como carga excessiva de trabalho, pressão ou excesso de competitividade."

Se traduzir do inglês fica pior ainda. Burnout significa apagar, carbonizar. Exatamente o que acontece todo dia, cada dia mais,  com muito mais gente que vive a louca agonia das pressões da vida profissional. Agora agravada pela tensão da pandemia, do trabalho híbrido, do medo do desemprego e da constante busca por um sucesso que acaba levando ao vazio dos sentidos.

Palavras mágicas como mindfulness, palestras motivacionais e as famosas mesas de ping pong no escritório não vão funcionar. Precisamos de estratégias mais ousadas e mudanças estruturais para proporcionar descanso e evitar o burnout das pessoas. Aliás, se existe uma palavra mágica no mundo do trabalho ela é exatamente essa: PESSOAS. Sem elas não tem resultado e se elas apagam, ou simplesmente vão embora, o negócio também vira cinzas.

Somos a geração que vive, ou sobrevive, presa nas estruturas herdadas da Revolução Industrial, trabalhando com demandas de um mundo completamente novo e que se altera a cada segundo sob os impactos da Revolução Digital.

Só para lembrar, já faz quase 100 anos desde que os funcionários da Ford passaram a trabalhar cinco dias da semana e oito horas por dia sem redução de salário e a humanidade usufruiu do último avanço na rotina profissional. É muito tempo para estacionar em um lugar que está nos matando aos poucos.

Sei muito bem que a grande massa de pessoas na base da pirâmide se alterna entre a fila do transporte público e a fila das ofertas de emprego e talvez nem ouse pensar o quanto a rotina dos dias poderia ser mais amena quando acorda às 5 da madrugada pra vencer na vida. Às vezes vencer na vida é apenas pagar os boletos no fim do mês.

Mas sei também que as lideranças lá no topo da pirâmide estão sob forte pressão de todo lado. Pressão por metas e resultados, pressão por digitalizar, pressão por falta de talentos, pressão por práticas ESG, pressão…pressão… pressão…

Cansei, mas não perdi a fé nas pessoas que estão antenadas com o mundo além dos prédios de vidro. Com o ar que corre nas ruas do futuro logo ali na esquina. São essas que vão enxergar a realidade mais que evidente em múltiplos sinais que se conectam, das análises sobre a Great Resignation, ao aumento de casos e pesquisas sobre  burnout:


  • O burnout  foi reconhecido pela OMS como um fenômeno relacionado ao trabalho e a classificação já está valendo desde janeiro de 2022. A síndrome é definida pela OMS como "resultante de um estresse crônico associado ao local de trabalho que não foi adequadamente administrado". As empresas vão pagar essa conta!

  • As buscas pelo termo burnout no Google cresceram em 2021, atingindo popularidade máxima de 100%, conforme aponta o indicador Google Trends. A procura por testes para essa síndrome aumentou em mais de 400% no mesmo ano, segundo a plataforma, e o interesse por saber os sintomas da síndrome de burnout aumentou repentinamente, ficando no topo das pesquisas sobre o assunto.


Como resposta a essa tensão quero compartilhar 3 temas urgentes:



Redução da Jornada de trabalho


Algumas pessoas e mídias estão tratando esse tema como se fosse uma conversa nova, o que não é uma realidade, compartilho então alguns movimentos e dados: 


  • Em 2019 um estudo da Henley Business School descobriu que 250 empresas que participaram de uma semana de quatro dias economizaram cerca de 92 bilhões de libras por ano porque seus funcionários eram mais felizes, menos estressados e ficavam menos doentes. Trabalhador descansado é um trabalhador melhor.

  • A plataforma  4 Day Week do Reino Unido informa ao mercado as empresas que já aderiram a esse formato de trabalho.  A maior parte é de startups e negócios de tecnologia. São poucas mas inspiradoras e é assim mesmo que começam as grandes mudanças.

  • A plataforma 4 Day Week Global  é uma comunidade que incentiva empresas, funcionários, pesquisadores e governo a desempenharem seu papel na criação de uma nova maneira de trabalhar.  Seu objetivo é  melhorar a produtividade dos negócios, os resultados da saúde dos trabalhadores, famílias e comunidades mais fortes, desafiar a questão da igualdade de gênero e trabalhar para um ambiente de  trabalho mais sustentável.

  • Em países como Islândia, Nova Zelândia, Japão, Espanha e Brasil, há pelo menos uma empresa que adotou essa jornada, na Bélgica esse tema está super quente e em 2022 os Emirados Árabes se tornaram o primeiro país do mundo a introduzir uma semana de trabalho mais curta do que 5 dias.


Para falar de redução de burnout, teremos que considerar a possibilidade de uma jornada de trabalho menor, sem redução de salário. Não faz sentido o mundo estar evoluindo a todo vapor e as pessoas continuarem trabalhando cada vez mais e mais.

Descansar é urgente e trabalhar 8 a 10 horas por dia durante 5 dias por semana está exaurindo as pessoas.



Redução de metas!


Será que faz sentido termos batido recordes de lucro durante a pandemia? Muita gente morrendo, não tem vacina, o Brasil em crise, mas continuam brotando novos bilionários do solo? Me parece que falta equilíbrio nessa  relação de metas/dinheiro X  burnout, não? Até quem ainda não enxergou esse desequilíbrio sofre com ele (alô líderes e CEOS). Ainda vejo poucos exemplos de redução de metas. Parece que algumas empresas até se dispõem a propor menos horas de trabalho, mas garantindo o mesmo crescimento nos lucros. Spoiler: Não vai resolver.

Não achei cases (abertos) da vida real de empresas que deram o passo atrás e reduziram suas metas, mas tenho conhecimento de algumas organizações que fizeram isso em 2021. Como não são informações abertas ao mercado, não vou citá-las aqui, só fiquem de olho, minha aposta é que até 2023 teremos  notícias das mudanças.

Mas trago a pesquisa do Gallup sobre burnout que confirma o impacto de metas dissociadas das possibilidades de corresponder a elas:


  • Os funcionários que concordam fortemente que suas métricas de desempenho estão sob seu controle têm 55% menos probabilidade de sofrer burnout com frequência.

  • Quando os funcionários sentem que seu trabalho está sendo avaliado usando métricas que não podem controlar, o resultado é ansiedade.


Crescimento ilimitado em um mundo limitado é  a conta que não fecha. As consequências começam a aparecer de todos os lugares. Pensar em jeitos mais inclusivos e saudáveis de crescimento deveria ser uma prioridade deste ano.



Adoção de novas práticas de trabalho


Deixei para o final, mas na verdade é tudo sobre isso (e não tá tudo bem). Precisamos rever as estruturas arcaicas que moldaram o mundo do trabalho até aqui e deu nisso que estamos vivendo: todo mundo cansado, exausto, apagando. A gente quer bem menos do mesmo e mais, muito mais, um ar renovado que nos permita respirar fundo e finalmente viver enquanto trabalhamos.

Para isso precisamos falar de Autogestão, Sociocracia, Holacracia - implementar práticas de gestão voltadas à distribuição do poder e das tomadas de decisão. Introduzir artefatos que estimulem que mais pessoas sejam contempladas no processo do trabalho. Sair do comando e controle e partir verdadeiramente para a colaboração.  Nunca ouviu falar? Sugiro fortemente que olhe para esses temas,  porque serão mais comuns e necessários daqui pra frente, já que se apresentam como um sistema de gestão evolutivo e flexível, bem mais adequado ao  ritmo que vivemos e com as mudanças constantes de cenário do mundo.

Metodologias Ágeis estão bastante na moda, também podem ser um bom caminho, mas já precisamos avançar.

Se você chegou até aqui e não está convencido de que precisaremos sair do óbvio, quem está? Me parece que o jeito que trabalhamos não está sendo bom pra ninguém, alguém está realmente se beneficiando com isso? Com certeza não são os trabalhadores, incluindo aí as lideranças.

Vai mudar? Boto fé que sim. Não virando tudo do avesso da noite para o dia, até porque historicamente as mudanças não ocorrem assim, mas a partir de iniciativas simultâneas que começam a apontar para a possibilidade de existirem outros jeitos de se viver no mundo.




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